O TURVO CORAÇÃO DO CROCODILO ERRANTE


O calor fazia o tempo parar, as relações se tornavam cada vez mais intensas, e a solidão parecia erguer se para o céu azul de Dili, a capital de Timor-Leste. O tokê, um lagarto nativo emitia seu som característico por entre as árvores da vila de quartos do Padre Domingos Alves, no bairro de Bidau Lecidere e, todos os dias, ouvia se a voz cristalina das crianças brincando e sorrindo. Era mais um dia daquele ano de 2010, uma manhã do eterno Verão, escaldante, mas passível de se acostumar. As vozes que não falam erguiam se pelo caminho para casa, vozes que diziam algo, mas não se sabia o que. Pareciam palavras soltas, sem sentido algum, assim é o tétun, a língua local, muitas palavras introduzidas da língua portuguesa, que davam a falsa impressão que se entendia o que era falado, cruel engano. Mas nessa manhã o dia estava diferente, pairava no ar um mau presságio, muitos dias difíceis no trabalho, não se conseguia sorrir, havia um coração turvo, que desviava o olhar para o chão onde o mundo caía em pedaços e aos poucos.
Por toda uma vida você cria um histórico da sua vida como homem e como profissional, e todos parecem reconhecer isso, uma boa pessoa e um cidadão respeitado até ao dia da sua morte. O campo onde se morre é o campo onde se semeia, onde o homem planta sua sina, e a colhe no momento certo de sua vida. O problema é que esse momento nunca coincide com um momento bom em que se esteja passando, e sim com o fundo do poço, mas como diria um grande amigo, é o melhor lugar que um homem poderia estar. Pois lá não há mais um passado, por mais sombrio que se tenha criado, só há um novo tempo a se construir, a se curar, se salvar. Se um homem é salvo na mesma proporção em que se adquire conhecimento, então não há melhor época para um crocodilo errante aprender com seus erros do que quando se está no fundo do poço, quando o coração está turvo.

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