Tratamento com célula-tronco pode vir a ser usado para curar lábio leporino

RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo

Um grupo de pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) conseguiu isolar células-tronco adultas que podem vir a ser usadas no futuro no tratamento da fissura labiopalatina. Mais conhecida como "lábio leporino", essa anomalia congênita faz com que as pessoas fiquem com uma abertura no lábio e no céu da boca.

Usando uma amostra de tecido músculo labial de pacientes com a fissura, a geneticista Daniela Franco Bueno, do Instituto de Biociências da USP, obteve as células terapêuticas, que foram testadas depois em um experimento com ratos. Para verificar se elas seriam capazes de gerar tecido ósseo, os cientistas as implantaram em abertura nos crânios dos roedores.

Associadas a uma membrana de colágeno, as células conseguiram reconstruir parte do osso que faltava nos animais. Segundo os cientistas --que já patentearam a técnica-- são boas as chances de que se consiga fazer agora o mesmo no palato.

Se isso for possível, a idéia é usar músculos dos próprios pacientes da anomalia para obter as células tronco. "Quando os pacientes passam pela primeira cirurgia corretiva [para reconstruir o lábio], um pedacinho de músculo do lábio já é descartado normalmente", explica Maria Rita Passos-Bueno, da USP, que liderou o estudo. "Nós mostramos que é possível obter as células tronco a partir dessa amostra."

O mesmo grupo de pesquisa já havia obtido sucesso também na obtenção de células-tronco a partir da polpa dos dentes de crianças, que também é de fácil obtenção. Passos-Bueno e colegas avaliam agora se as células obtidas a partir do lábio são melhores que as dos dentes para prosseguir com as pesquisas.

Segundo os cientistas, se a técnica se mostrar aplicável em humanos, um avanço importante no tratamento da fissura labiopalatina pode ser obtido, porque corrigir o problema com cirurgias é complicado.

"Na verdade, mesmo depois das primeiras cirurgias para fechar o lábio e o céu da boca ainda sobra uma fenda óssea --um defeito-- na criança", explica Cássio do Amaral, cirurgião plástico do hospital da Sobrapar (Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Craniofacial), em Campinas (SP).

O médico, que extraiu de crianças com lábio fissurado as amostras de tecido que foram usadas pela USP, explica que hoje a técnica de correção do problema é demorada.

"Normalmente, a gente corrige esse defeito na criança com uns sete anos de idade" diz Amaral. Em casos mais acentuados da anomalia, porém, é preciso fazer sucessivas cirurgias durante até 15 anos. "Com essas células-tronco, surge uma grande promessa para o futuro dessas crianças. Elas conseguiriam ter a correção com alguns meses de idade."

Trabalho persistente

Dependendo da população estudada, a fissura labiopalatal ocorre em 5 a 20 crianças para cada 10 mil nascimentos. A anomalia pode causar problemas de alimentação, fala e doenças no ouvido. Segundo Passos-Bueno, as células-tronco oferecem uma perspectiva promissora para tratar o problema, mas ainda devem transcorrer alguns anos antes de a técnica chegar a humanos.

"Acho que temos de trabalhar muito ainda para conseguir fazer um modelo experimental maior e mais apropriado", diz a pesquisadora. "Teríamos que testar pelo menos em coelhos ou ovelhas antes de passar para humanos. Se a gente conseguir fazer um modelo mais próximo da fissura, o que podemos fazer logo é entrar com um pedido [para testes em humanos] em um comitê de ética em pesquisa, porque isso leva tempo para ser aprovado."

Postagens mais visitadas