Ribeirinhos contaminados na Amazônia

A região amazônica, onde há extração de ouro, é o principal alvo dos pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), que monitoram os níveis de mercúrio na água, terra, atmosfera, alimentos e nas populações ribeirinhas. Essas populações apresentam um elevado grau de mercúrio no organismo, quase cinco vezes maior que o considerado normal - fato constatado por meio de amostras sangüíneas e de cabelos. A principal causa é a contaminação ambiental na área. Cerca de três mil toneladas de mercúrio utilizados nos garimpos de ouro da Amazônia, ao longo dos últimos 20 anos, foram despejados na natureza.

Existem duas maneiras do mercúrio chegar ao homem: a primeira é por meio do trabalho. Na exploração de minérios e na indústria os trabalhadores podem estar em contato direto com o metal. O garimpo do ouro é uma das atividades que mais expõem o trabalhador, pois o mercúrio (Hg) é inalado quando ocorre a queima da amálgama (separação do ouro do metal). Já a segunda forma é a contaminação ambiental - provocada pela dieta alimentar, mais freqüentemente pela ingestão de peixes de água doces e salgadas e afeta diretamente a corrente sangüínea, causando problemas no sistema nervoso central.

O mercúrio é descartado nas margens e nos leitos dos rios, no solo, ou é lançado na atmosfera durante o processo de queima da amálgama. No meio ambiente, o mercúrio pode transformar-se no metilmercúrio (processo realizado pelas bactérias) e entrar na cadeia alimentar de organismos aquáticos, os maiores bioconcentradores deste metal.

As populações ribeirinhas são dependentes do consumo do peixe chegando a consumir, em média, 200 gramas ao dia. Conseqüentemente, estão propensas a serem contaminadas por mercúrio. Os níveis de contaminação dos peixes dependem de sua posição na cadeia alimentar, do tamanho e da idade. Os peixes herbívoros (tambaqui, jatuarana, pirapitinga, pacu) possuem níveis menores de contaminação que os peixes que ingerem outros peixes como alimento (dourada, filhote, piranha, tucunaré, pescada e pintado).

As margens dos rios Madeira,Tapajós e Negro são as áreas mais freqüentadas pelos pesquisadores. Desde 1991, a equipe do Instituto de Química da UnB vem analisando os teores de mercúrio presente nos cabelos dessas populações. Segundo o professor Jurandir Souza, os níveis encontrados são altos. O teor médio de mercúrio nos cabelos de um ribeirinho é de 19,1ng/g (nanograma por grama). Enquanto a análise dos cabelos de pessoas da região que não consomem peixe apresentou teores de 4,1ng/g - nível considerado normal pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O monitoramento é contínuo mas não necessariamente nas mesmas pessoas, ou seja, não é possível definir se, ao longo dos anos, a contaminação aumentou. Os estudiosos, que em geral viajam para a Amazônia uma vez ao ano, estimam já terem coletado amostras de cabelo e sangue de mais de mil pessoas.

O professor afirma que, em longo prazo, a situação é preocupante e ressalta a importância de campanhas públicas que sinalizem para o problema, propondo soluções simples, entre elas, o incentivo ao consumo de um determinado tipo de pescado, ao invés de outro. Jurandir de Souza sugere também a criação de uma ação conjunta entre garimpeiros, pescadores, índios e, principalmente, da sociedade para determinar medidas que recuperem e evite uma maior contaminação na região e da necessidade da ação fiscalizadora do governo.

O mercúrio causa vários danos ao organismo humano. Nas células, o metal provoca problemas na membrana celular, interferindo nas funções de transporte das células, especialmente nos neurotransmissores cerebrais. Além disso, o elemento se deposita nos tecidos causando lesões graves, principalmente nos rins, fígado, aparelho digestivo e sistema nervoso central. Um dos primeiros sintomas de contaminação são os tremores das mãos sem controle pelo indivíduo, queda de cabelos e de dentes. A exposição excessiva provoca reações psicóticas, tais como delírios, alucinações e tendência suicida. Mulheres grávidas passam o mercúrio para o feto. O bebê já nasce contaminado.

Outro dado curioso observado pelos pesquisadores são os elevados níveis de mercúrio em pessoas e peixes onde não há garimpo, como é o caso do Rio Negro. Os pesquisadores trabalham com a hipótese da região ser fonte natural de mercúrio. O trabalho desses pesquisadores é fundamental para manter os padrões de qualidade da água dos rios que formam a bacia amazônica, a maior reserva de água doce do nosso planeta. A pesquisa possui o apoio da OnG alemã GTZ (Deustsche Gessellschaft Fur), do CNPq e da Funai.

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