Cirurgia ortopédica para aumentar a estatura
Os chineses querem crescer
Cirurgia ortopédica para aumentar
a estatura vira obsessão entre
os jovens na China
Natasha Madov
Não é difícil entender por que tantas mulheres estão dispostas a sacrifícios para emagrecer alguns quilos ou se arriscam sobre saltos enormes para aparentar maior altura. O padrão atual de feminilidade são as supermodelos de pernas longuíssimas, como Gisele Bündchen. Nada se compara à obsessão com a altura na China e ao sofrimento que as chinesas se dispõem a suportar para ganhar alguns centímetros a mais. O que está em voga no país é a utilização com propósitos cosméticos de um procedimento médico doloroso, que em outros países praticamente só tem uso terapêutico. Trata-se do Método Ilizarov, criado por um médico russo há cinqüenta anos e usado no tratamento de fraturas graves, nanismo e vítimas da poliomielite. Consiste numa cirurgia em que os ossos da canela são cortados e depois esticados com a ajuda de um aparelho metálico. Dessa forma é possível ganhar 10 centímetros na altura em seis, sete meses. Jovens chineses, mais mulheres que homens, lotam hospitais e clínicas ortopédicas em busca desses centímetros a mais. Um único hospital em Cantão, no sul da China, já realizou 600 operações. Em Pequim, o ortopedista Xia Hetao diz ter atendido mais de 700 pessoas em sua clínica. O tratamento, anunciado em revistas femininas, custa em média 6 000 dólares, uma fortuna para os padrões locais.
Os chineses não são um povo especialmente baixo. Mas nos últimos anos a sociedade tornou-se extremamente competitiva na China, e qualquer vantagem precisa ser agarrada com unhas e dentes. "Num país com mais de 1 bilhão de pessoas, a competição, seja no mercado de trabalho, seja no amor, é feroz", diz o americano James Watson, professor de antropologia da Universidade Harvard. A estatura passou a ser um critério importante na seleção para um bom emprego ou para conseguir casamento. O Ministério do Exterior exige 1,70 metro para homens e 1,60 para mulheres. O Exército subiu a altura mínima dos recrutas para 1,60 metro. Em tais circunstâncias, é compreensível que os chineses estejam dispostos a tudo para crescer. Ao inventar a técnica, nos anos 50, o russo Gavril Ilizarov procurava um modo de curar fraturas que não podiam ser tratadas com imobilizações convencionais. O princípio básico é que o próprio organismo se encarregará de reconstruir o vão entre dois ossos quebrados, se o espaço for mínimo e o membro estiver imobilizado por pinos. O método consiste em permitir que um novo tecido ósseo se forme na brecha deixada pela separação gradual do osso quebrado.
Não há nada de simples nesse procedimento, que implica dores atrozes e pode manter o paciente preso ao leito por várias semanas. Na China, a cada cirurgia de alongamento de ossos, cinco médicos se ocupam do paciente durante três horas. Primeiro, perfuram um orifício na perna logo abaixo do joelho, depois serram superficialmente o osso, evitando seccionar a medula. Nesse local os tecidos vão regenerar-se e provocar o crescimento. Cabos são fixados nas extremidades do osso e servirão para sustentar a gaiola metálica do aparelho. É a manipulação adequada desse aparelho que vai permitir a separação gradual das duas partes do osso e esticar a pele, os nervos e os músculos. Embora não exija imobilização, o paciente tem de se acostumar com as armações de metal em ambas as pernas. Há risco de infecção e no fim sobram cicatrizes no lugar dos cortes. Existe a possibilidade de ficar com os ossos fragilizados e não conseguir mais caminhar sem o perigo de sofrer uma fratura na perna. "Não me preocupo com os riscos nem com os custos. Para mim esse é um investimento a longo prazo, já que terei um emprego melhor, um namorado melhor e finalmente um marido melhor", diz a advogada Zhang Xiaoli, de 24 anos, operada em setembro do ano passado. "Sendo baixa, eu não tinha trunfo nenhum para conquistar isso tudo", afirma. Ela espera passar de 1,52 para 1,60 metro de altura nos próximos meses.
No Brasil, são realizadas 3.000 operações desse tipo por ano, praticamente todas para a recuperação de fraturas e correção do nanismo. Quando se trata de reparo estético, o médico pede um laudo psicológico que comprove sua necessidade. "Não são mais de trinta casos por ano", explica Walter Targa, professor de ortopedia da Universidade de São Paulo. Os jornais chineses periodicamente estampam em manchetes histórias pavorosas de cirurgias que não deram certo. Há uma jovem cujo pé ficou grotescamente virado para fora. Outra está presa a aparelhos há dois anos, pois seus ossos não suportam a nova altura. O médico diz que a culpa é dela, por não se ter alimentado direito durante a convalescença. Uma ironia, porém, não escapa: Deng Xiaoping, o manda-chuva comunista que abriu a economia chinesa e morreu em 1997, tinha apenas 1,49 metro de altura. Se vivesse hoje, teria muita dificuldade para chegar aonde chegou.
Cirurgia ortopédica para aumentar
a estatura vira obsessão entre
os jovens na China
Natasha Madov
Não é difícil entender por que tantas mulheres estão dispostas a sacrifícios para emagrecer alguns quilos ou se arriscam sobre saltos enormes para aparentar maior altura. O padrão atual de feminilidade são as supermodelos de pernas longuíssimas, como Gisele Bündchen. Nada se compara à obsessão com a altura na China e ao sofrimento que as chinesas se dispõem a suportar para ganhar alguns centímetros a mais. O que está em voga no país é a utilização com propósitos cosméticos de um procedimento médico doloroso, que em outros países praticamente só tem uso terapêutico. Trata-se do Método Ilizarov, criado por um médico russo há cinqüenta anos e usado no tratamento de fraturas graves, nanismo e vítimas da poliomielite. Consiste numa cirurgia em que os ossos da canela são cortados e depois esticados com a ajuda de um aparelho metálico. Dessa forma é possível ganhar 10 centímetros na altura em seis, sete meses. Jovens chineses, mais mulheres que homens, lotam hospitais e clínicas ortopédicas em busca desses centímetros a mais. Um único hospital em Cantão, no sul da China, já realizou 600 operações. Em Pequim, o ortopedista Xia Hetao diz ter atendido mais de 700 pessoas em sua clínica. O tratamento, anunciado em revistas femininas, custa em média 6 000 dólares, uma fortuna para os padrões locais.
Os chineses não são um povo especialmente baixo. Mas nos últimos anos a sociedade tornou-se extremamente competitiva na China, e qualquer vantagem precisa ser agarrada com unhas e dentes. "Num país com mais de 1 bilhão de pessoas, a competição, seja no mercado de trabalho, seja no amor, é feroz", diz o americano James Watson, professor de antropologia da Universidade Harvard. A estatura passou a ser um critério importante na seleção para um bom emprego ou para conseguir casamento. O Ministério do Exterior exige 1,70 metro para homens e 1,60 para mulheres. O Exército subiu a altura mínima dos recrutas para 1,60 metro. Em tais circunstâncias, é compreensível que os chineses estejam dispostos a tudo para crescer. Ao inventar a técnica, nos anos 50, o russo Gavril Ilizarov procurava um modo de curar fraturas que não podiam ser tratadas com imobilizações convencionais. O princípio básico é que o próprio organismo se encarregará de reconstruir o vão entre dois ossos quebrados, se o espaço for mínimo e o membro estiver imobilizado por pinos. O método consiste em permitir que um novo tecido ósseo se forme na brecha deixada pela separação gradual do osso quebrado.
Não há nada de simples nesse procedimento, que implica dores atrozes e pode manter o paciente preso ao leito por várias semanas. Na China, a cada cirurgia de alongamento de ossos, cinco médicos se ocupam do paciente durante três horas. Primeiro, perfuram um orifício na perna logo abaixo do joelho, depois serram superficialmente o osso, evitando seccionar a medula. Nesse local os tecidos vão regenerar-se e provocar o crescimento. Cabos são fixados nas extremidades do osso e servirão para sustentar a gaiola metálica do aparelho. É a manipulação adequada desse aparelho que vai permitir a separação gradual das duas partes do osso e esticar a pele, os nervos e os músculos. Embora não exija imobilização, o paciente tem de se acostumar com as armações de metal em ambas as pernas. Há risco de infecção e no fim sobram cicatrizes no lugar dos cortes. Existe a possibilidade de ficar com os ossos fragilizados e não conseguir mais caminhar sem o perigo de sofrer uma fratura na perna. "Não me preocupo com os riscos nem com os custos. Para mim esse é um investimento a longo prazo, já que terei um emprego melhor, um namorado melhor e finalmente um marido melhor", diz a advogada Zhang Xiaoli, de 24 anos, operada em setembro do ano passado. "Sendo baixa, eu não tinha trunfo nenhum para conquistar isso tudo", afirma. Ela espera passar de 1,52 para 1,60 metro de altura nos próximos meses.
No Brasil, são realizadas 3.000 operações desse tipo por ano, praticamente todas para a recuperação de fraturas e correção do nanismo. Quando se trata de reparo estético, o médico pede um laudo psicológico que comprove sua necessidade. "Não são mais de trinta casos por ano", explica Walter Targa, professor de ortopedia da Universidade de São Paulo. Os jornais chineses periodicamente estampam em manchetes histórias pavorosas de cirurgias que não deram certo. Há uma jovem cujo pé ficou grotescamente virado para fora. Outra está presa a aparelhos há dois anos, pois seus ossos não suportam a nova altura. O médico diz que a culpa é dela, por não se ter alimentado direito durante a convalescença. Uma ironia, porém, não escapa: Deng Xiaoping, o manda-chuva comunista que abriu a economia chinesa e morreu em 1997, tinha apenas 1,49 metro de altura. Se vivesse hoje, teria muita dificuldade para chegar aonde chegou.