AIDS: História e origem

O começo de tudo

No tempo em que pouco se sabia sobre a doença que flagela o mundo

Quando as sessões da 13ª Conferência Internacional sobre Aids foram abertas, em julho do ano passado, na aprazível cidade sul-africana de Durban, o cientista norte-americano David Ho ("homem do ano" da revista Time de 1996 por suas pesquisas que significaram tanto para os doentes de Aids) projetou um slide na tela gigante a seu lado. "Essa é a única causa da Aids", disse, referindo-se ao HIV, o vírus redondo coberto de saliências ali destacado. Não pôde continuar. Uma tempestade de aplausos ressoou durante mais de um minuto no auditório lotado de cientistas, médicos, representantes de ONGs e de organizações de voluntários na luta contra a doença.

Todos estavam indignados com a demonstração de ignorância e falta de sensibilidade do presidente sul-africano, Thabo Mbeki, que chegou a proibir o uso de medicamentos anti-Aids em hospitais da rede pública do seu país. Mbeki compartilhava naquela época a tese de um grupo exótico de cientistas de que o HIV não causa a Aids. Desde então, ele mudou de postura e já permitiu a distribuição de remédios em alguns hospitais para mulheres soropositivas grávidas.

Pode-se dizer que o debate de Durban foi parte do último round da humanidade contra a síndrome que nesses 20 anos de epidemia reconhecida já matou 21,8 milhões de pessoas, entre elas, 4,3 milhões de crianças. Hoje se sabe que, por suas características de transmissão, a Aids faz suas vítimas entre as pessoas clinicamente sadias e ativas. As fotos abaixo, de pessoas famosas que morreram em conseqüência da síndrome, são uma prova chocante dessa realidade. Além disso, a doença constitui um flagelo na África onde 8,8% da população está infectada (20% na África do Sul de Mbeki, ou 1 em cada 5 adultos).

Vítimas ilustres
Rock Hudson (1925-1985)
Galã de cinema que espantou o mundo ao assumir que era gay
Herbert de Souza (1935-1997)
Betinho, como era conhecido, lutou pelos direitos dos portadores
Renato Russo (1960-1996)
Vocalista do Legião Urbana nunca assumiu que tinha Aids
Freddie Mercury (1946-1991)
Líder do Queen foi considerado uma das melhores vozes do rock

O medo do "câncer gay"
No começo dos anos 80, quando os primeiros casos apareceram, ninguém sabia a causa da Aids. Muitos médicos temiam aproximar-se daqueles doentes enfraquecidos, marcados por manchas escuras, sintoma de um tipo raro de câncer denominado sarcoma de Kaposi. Quem viu o filme Filadélfia, deve lembrar da cena em que um debilitado Tom Hanks, personificando um homossexual que é vítima da doença, mostra o peito atacado durante um julgamento em que pede indenização à empresa que o demitiu por ser portador do HIV. Naquela época, o sarcoma de Kaposi que estava afetando os homossexuais fez com que a Aids fosse chamada de "câncer gay".

Hoje já se sabe que o câncer gay era na realidade uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas resultante do colapso do sistema imunológico, cujas células são atacadas pelo HIV. O vírus, que não mede mais que 30 milionésimos de milímetro, ao que parece, pulou a barreira das espécies, saindo desse simpático macaco da página ao lado para invadir o homem. O pulo teria ocorrido muito tempo antes de a epidemia chamar a atenção do mundo, quando a caça desses animais era comum na África (a carne do macaco ainda é vendida nas feiras).

Antes que se ressuscitem velhas histórias mirabolantes de que o HIV escapou de um laboratório militar ou que foi desenhado como parte de uma trama racista para reduzir a população da África, é bom que se explique. Macacos da espécie Pan troglodytes troglodytes, muito comuns no Congo, são hospedeiros de uma cepa do SIV, um vírus parecidíssimo com o HIV. Como em outros casos (gripe de Hong-Kong e Ebola, para citar dois exemplos mais conhecidos), os vírus podem passar de animais para humanos. Algumas vezes, matam seus hospedeiros. O HIV, ao contrário, demora para causar a doença, e por isso teve tempo de se propagar. Além disso, o HIV pode ter recebido a ajuda involuntária de uma vacina oral contra pólio, testada no Congo entre 1957 e 1961, cuja produção contou com rins de macacos. Essa teoria divulgada pelo escritor Edward Hooper, no livro The River, é muito contestada pela maioria dos que estudam o HIV.

Seja como for, nos anos 80, mais importante era saber o que estava matando homossexuais, hemofílicos, usuários de droga e, mais tarde, mulheres e crianças. Em 1983, o cientista francês Luc Montagnier isolou o HIV, presente no sangue de vítimas da doença.Começa então uma história com lances ainda pouco explicados. O controvertido mas genial cientista americano Robert Gallo apresentou na mesma época uma amostra do vírus. Enquanto Montagnier e Gallo disputavam o crédito da descoberta, o conhecimento sobre a transmissão e multiplicação do HIV ia se ampliando. Até chegar aos remédios que barram a sua proliferação.

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