Cooperação Internacional Brasil / Timor-Leste

A MONTANHA MALIRI
Erivelto Rodrigues
Professor de Biologia – Cooperação Internacional Brasil/Timor-leste

Sou brasileiro, oriundo de uma das regiões mais visadas de meu país por todo o mundo: a Amazônia. Até o início do ano de 2008, não imaginava que iria estar tão longe de casa. Foi quando vi um edital de trabalho internacional na página da agência de fomento do Ministério da Educação do Brasil na internet contratando sete professores de biologia do pais inteiro para participar do Programa de Cooperação Internacional Brasileiro em um pais que pouco ou quase nada conhecia, o Timor-Leste. Quando informei minha família que sairia do Brasil, todos ficaram surpresos, mas quando expliquei melhor o que ia fazer, recebi apoio de todos. A aprovação na seleção nacional foi recebida com surpresa por muitos amigos meus e também pelos meus ex-professores da Universidade Federal do Amazonas, pois se tratava de uma seleção nacional e normalmente , quando isso ocorre, as vagas acabam sendo preenchidas por profissionais de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Então virei motivo de orgulho para todo um estado, pois da minha região somente eu fui selecionado.
Para chegar ao Timor-Leste, passei por uma maratona aérea literalmente, nunca havia viajado tanto de avião, foi um total de cinco aviões: o primeiro, terça-feira, dia 8 de julho, às 03h45min da madrugada, um vôo doméstico de Manaus, onde residia, até São Paulo, onde deveria chegar às 08h30min. Devido às más condições do tempo em São Paulo, o vôo foi transferido para a cidade de Campinas, de onde voltamos para São Paulo às 11h30min; depois outro de São Paulo para Santiago, no Chile, saindo às 16h30min daquele mesmo dia; trocamos de aeronave para sair novamente algumas horas depois para Auckland, na Nova Zelândia, e em seguida, Sydney, um dos lugares mais bonitos que conheci na Austrália. Passamos um dia em Sydney, intrigado com o fato de um dia inteiro de minha vida que havia desaparecido devido ao fuso horário. Recuperamos este dia perdido conhecendo pontos turísticos de Sydney, como o Ópera House e o Aquarium. Naquela noite do dia 10 de julho, viajamos para Darwin, chegamos tarde da noite e por isso resolvemos dormir no aeroporto mesmo, pois o vôo para Díli sairia logo cedo.
Chegamos em Timor-Leste naquela manhã do dia 11 de julho de 2008, o nosso presidente Lula estava em visita oficial ao País, e, em um encontro com brasileiros, apresentou-nos a todos. Eu, particularmente nunca pensei que iria ver o presidente do Brasil tão perto e falando sobre um trabalho que eu iria executar. Senti-me bastante orgulhoso de estar ali naquele momento. Passei alguns dias conhecendo e me ambientando com a capital de Timor-Leste: Díli. No dia 20 de julho, fui deslocado para um dos lugares mais surpreendentes que poderia conhecer nesse país: o distrito de Ainaro. Chegara finalmente o momento de trabalhar.
A viagem para Ainaro, levando a equipe formada por quatro dos cinco profissionais brasileiros da educação, saiu às 11h da manhã do dia 20 de julho. Tínhamos a missão de capacitar professores timorenses em quatro áreas de conhecimento especifico: Biologia, Química, Física e Matemática. O ultimo professor da equipe chegaria uma semana depois.
Enfim, as montanhas se apresentaram a nós, cobertas por brumas, destaque para a maior de todas, a montanha Tatamelau ou Ramelau, o maior pico do antigo império português. A paisagem era diferente de tudo que havia visto na minha região, no Brasil. Nuvens cobriam a paisagem à medida que o carro subia a estrada de curvas. O frio começava a nos incomodar, a mim principalmente que vinha de uma região de clima tropical e úmido. A montanha maliri, fria em língua Tétun, fazia o ar ficar cada vez mais rarefeito devido à sua altitude, mais de dois mil metros acima do nível do mar. Finalmente, após quatro ou cinco horas, não lembro ao certo, chegamos a Ainaro.
A experiência profissional em Ainaro se revelou uma das coisas mais gratificantes de toda a minha vida como professor. Conheci pessoas com crenças veladas e crenças, muitas vezes etnocêntricas, que pareciam não combinar com os professores que eu estava a ensinar a dar aulas em português. Um mundo de presença animista e forte influência católica. Parecia reviver décadas passadas, como uma viagem no túnel do tempo. Não posso negar que isso me fascinou bastante.
A minha vida na montanha maliri me fez repensar sobre muitas de minhas crenças e hábitos. A convivência com pessoas que nunca tinha visto me tornou mais humano e mais forte do que poderia imaginar. Volto para Díli dois meses depois um novo homem, menos etnocêntrico, menos orgulhoso, mais humilde e mais consciente e flexível de meus atos, no que discerne sobre ação e reação. Obrigado barak, Ainaro!

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