A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO EM TIMOR-LESTE

Erivelto Rodrigues

Professor membro da Cooperação Internacional Brasil/Timor-Leste, atuando na Universidade Nacional Timor Lorosa’e, Díli, Timor-Leste, como bolsista da Capes/MEC.

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Paulo Freire, o educador brasileiro mais reconhecido no mundo inteiro, como um percebedor da realidade por sua origem pobre, com uma situação de vida semelhante a da maioria do povo timorense na atualidade. Tem sua luta e presença baseada na palavra “opressão”, principalmente, por ter sido um homem que fez uma leitura concreta do mundo do oprimido, da complexidade da relação entre o oprimido e o opressor, para, finalmente, propor uma pedagogia libertadora que consiste em uma educação voltada para a conscientização da opressão, a pedagogia do oprimido, e a conseqüente ação transformadora. A categoria “opressão” de Paulo Freire assume várias dimensões:

Opressão antropológica

A catana1 da cultura do homem, a destruição do seu saber enquanto homem, o epistemicídio, ou seja, a morte do conhecimento do outro. A intolerância arma o homem com a catana do esquecimento. O homem não tem mais o direito de manifestar sua cultura.

Opressão psicológica

A queda do “ser”, do “eu” do homem, permitindo como conseqüência sua coisificação e ou despersonalização. A opressão psicológica provoca o medo de manifestar sua opinião. Durante muitos anos o Timor-Leste viveu sobre esse tipo de opressão, que o levou a perda de sua auto-estima. Nenhum homem seja ele, português, brasileiro, australiano ou indonésio é maior, ou melhor, do qualquer homem timorense. As diferenças culturais não indicam que um homem é superior ou inferior a outro homem. A submissão do homem timorense frente aos “malaes”, leva à perda da identidade cultural, aos complexos de inferioridade. O ideal de superioridade de um homem não está associado ao poder financeiro e sim ao poder intelectual.

Opressão ontológica

A ação paralela à desumanização, enquanto “ser homem”, o processo de hominização versus o culturamento necrófilo. A miséria que se vê, nos mais longínquos sucos de Timor-Leste, nem de longe se compara à perda da dignidade do homem enquanto homem, ser humano. A pobreza nunca esteve e nem nunca estará associada a desumanização, um homem pode ter todo dinheiro do mundo e ainda assim será sujo, pobre em sua alma. O homem que se contenta com o nada porque foi convencido a acreditar que aquilo era o tudo. A vida em Timor-Leste é muito mais do que a subsistência e a sobrevivência. O homem timorense deve buscar viver plenamente e não somente sobreviver em uma existência vazia e sem ambição.

Opressão econômica

A opressão permite que os ricos estejam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. A ideologia do “ter mais” se concretiza na relação cruel do dominador e do dominado. Há na maioria das residências timorenses, agregados, parentes que se deslocam de uma região a outra do país para estudar, ou mesmo buscar uma nova oportunidade de vida. E acabam tendo de, em troca do abrigo e do alimento, se sujeitar ao trabalho em regime de escravidão pelos próprios familiares, isso ocorre principalmente com meninas, que saem de seus sucos para estudar e terminam como escravas-do-lar.

Opressão política

A ação do poder central, o distrito, sobre a periferia, o sub-distrito, isto é, ou são leis que beneficiam e privilegiam alguns, ou são “medidas provisórias” que retratam um poder autoritário que é cego às necessidades e prioridades de uma grande maioria. A hierarquia da submissão, do homem como o dono supremo do poder sobre o homem lacraio, que se curva à catana da opressão em nome da sobrevivência. Não há vontade própria, ninguém é capaz de pensar nada por si próprio, sua opinião é sua perdição. A catana da rebeldia foi vencida pela catana do estado maior, Díli.

Opressão pedagógica

O caráter de opressão se estabelece na forma de leis que na prática retrocedem às conquistas e desejos de toda comunidade educativa e também na forma de relação professor e aluno e todas as nuances do sistema de ensino (currículo, prática pedagógica e avaliação). Se um professor timorense “educa” seu aluno na base da palmatória acreditando que só há respeito se houver violência, porque na sua época de estudante ele só respeitava seu mestre quando era agredido fisicamente, e quando os pais dos estudantes concordam e acham normal seus filhos serem espancados em um lugar que deveriam se ensinados, em nome da disciplina, isso soa como um alerta. Violência sempre gerou e sempre irá gerar mais violência, chegará o dia em que o professor opressor será o professor oprimido, e quando esse dia chegar, a comunidade educativa o abandonará em nome da lei vigente.

1. Catana. Espécie de instrumento cortante, semelhante a uma espada ou facão.

Referência:

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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